sábado, 30 de janeiro de 2010

Biblioteca

Todos os dias, às duas da tarde, eu freqüentava a biblioteca. Acordava de manhã já pensando no livro que leria. Mas não eram os livros que me faziam freqüentar assiduamente a biblioteca, o que me fazia estar lá sem falta todos os dias era ela. Que adorava os livros e aquela biblioteca, pois estava lá constantemente. Ela sentava na cadeira da mesa da frente, em sua mesa havia vários livros, todos abertos, mas ela só lia um. Eu ia todos os dias porque sabia que ela estaria lá, também sabia que ela ia não era por causa de mim, mas pelos livros. Até que um dia eu a olhava fixamente, e de repente ela pôs os olhos em mim, pela primeira vez, soube que eu existia e que estava lá na sua frente. Tentei desviar o olhar dela, para que ela não percebesse que eu a devorava pelos olhos. Baixei a cabeça, e percebi que ela estava com um sorriso no rosto.
Desde esse momento, trocávamos olhares. Nunca nos falávamos, apenas trocávamos olhares e sorrisos que iam e viam na velocidade da luz com mil palavras escritas no ar. Entendia-nos só pelos olhares, e quando queríamos nos dizer alguma coisa apelávamos para os livros que era o nosso melhor meio de comunicação. Eu ia até a estante e pegava Vinícius, ela Clarisse, assim ela já sabia de meu romantismo e eu de seus enigmas. Mas um dia, e outro dia, como se fosse combinado estávamos lá no mesmo horário e nas mesmas mesas. Ela sempre saía antes de mim, para que nós não nos esbarrássemos e quebrássemos o encanto de nos falar e se conhecer. O desconhecido sempre é mais prazeroso. Mas um dia eu me levantei para trocar o livro, eu não lia nenhum, não gostava muito de ler, estava lá por causa dela, não pelos livros. Mas ela não percebeu, e nos levantamos juntos, ela ia embora. Devia ter algum compromisso, e nesse momento nos esbarramos, ela se desculpou, e pela primeira vez eu ouvi sua voz. Uma voz doce, serena. Quando ela olhou para cima, pois tinha se abaixado para pegar o livro que caíra no chão, e percebeu que se tratava de mim, ela ficou vermelha de vergonha, aquilo não poderia ter acontecido, não sabíamos o que nos dizer, aquela aproximação nunca ocorrera antes. Sua respiração estava ofegante. Eu não respirava, só para não sentir que o tempo estava passando. De súbito, como que por impulso, abaixei-me para ajudá-la a levantar. Ela respirou como se tomasse de vida uma grande porção. Ficamos de pé, um na frente do outro, nos olhando fixamente. Conhecendo-nos. Namorando. Viajando um dentro do outro, nos sentimentos em comum que explodiam dentro de nós, forçando-nos a nos abraçar longamente, mas ficamos só na vontade. Olhando-nos. Nesse momento a biblioteca emudeceu, os livros paravam de gritar suas histórias e suas poesias, dando lugar ao silencio de um livro de páginas em branco foliado pelo vento. Mas não demorou muito e os livros voltaram gritar, e eu, a sentir o frio que lá fazia. Ela partiu sem olhar para trás. Eu olhava fixamente sua silhueta que sumia por trás da porta que se fechava lentamente, provocando-me. Eu não tinha mais nada a fazer ali, logo depois também fui embora.
Á noite não consegui dormir, aquela cena se repetia varias vezes, eu rolava na cama, lembrando do seu cheiro, da sua pele. No outro dia, não pensava em mais nada a não ser a biblioteca e nela que estaria lá me esperando. Quando eu cheguei, para minha surpresa ela não estava, sentei-me, pensando em vários motivos que pudessem explicar a sua falta. Ela pode ter se atrasado. Duas e meia, ela não chegou. Três e meia. Nada. Ás quatro horas eu já não sabia o que fazer, ela nunca faltara antes, o que poderia estar acontecendo que a impedisse de vir ao meu encontro. Dava-me uma angústia no peito ao ver a cadeira da biblioteca vazia, sem livros na mesa. E aquele local começou a me parecer estranho, as mesas, as cadeira, as estantes e a vasta quantidade de livros. Decidi ir embora. Ao abrir deparo-me com ela, parada. Olhando fixamente para mim.

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